terça-feira, 22 de novembro de 2011

O AMÁLGAMA DO BRASIL

Quando o amálgama começou a saltitar pelo palco, esperneei: o homem cordial de novo?! Será que não cansam desse assunto? Mas a boca escancarada cheia de dentes insistia: o brasileiro sabe se misturar, o brasileiro sabe conviver, vamos abrasileirar o mundo! Aproveitar a Copa, as Olimpíadas, a Crise e abrasileirar o mundo! Ah, cara, taí um caso em que menos com menos não dá mais. Que tipo de exemplo Jorge Mautner acha que somos capazes de dar? Um país que entra em convulsão quando fica em segundo numa copa de futebol, mas acha normalíssimo ficar em 90º em educação, é isso que somos. Simpáticos, claro. Musicais, sem dúvida. Acolhedores, no question. Campeões mundiais de assassinatos, inegável. Marque um X na resposta que lhe pareça certa e depois, se for o caso, saia vestido de branco para abraçar a lagoa Rodrigo de Freitas ou o Ibirapuera ou participe desses troços que a turma do bang-bang-xapralá costuma fazer pra avisar que ainda mora na filosofia. Então, quando o Mautner apelou pra tudo que sabia de Heidegger holocausto tropicália mãe de santo para erguer bem alto seu estandarte de melting-pot tupi-planetário como a cura para todos os males, juro que quase torci meu bigode imaginário e me entreguei ao cinismo que nos deixa tão superiores, né, bem? Quase, que na hora agá baixou outro santo, mais sabidinho, e percebi que não se trata de uma situação sociológica ou uma perspectiva antropológica de um sujeito que, não bastasse ser violinista, subiu no telhado há muito tempo. Não. Há exemplos palpáveis por aí. Gente que faz, do amálgama, coração. Como Marcelino Freire. O escritor de Contos Negreiros, o criador da Balada Literária de São Paulo, capaz de botar num palco minúsculo dois augustos luminares da cultura nacional como se fosse papo de comadre. E é. Só que custa um monte. Tempo, trabalho, dinheiro, ralo, ralo, ralo. No centro de tudo, comandando o baile, a cara redonda de nordestino que guarda a lua na boca, o peito aberto pra não perder o touro de vista, palavra na ponta da língua para quem se disponha a ouvir o tanto que sabe, que faz. Marcelino come cru e arrota majestades. Dorme pouco, ri muito, se deleita a valer com seus convidados, bebe o que pode, conta, ensina, espalha, comunica. Assim ele vai aglutinando a turma do Oiapoque-Chuí, aliando as erráticas tribos de contadores de histórias aos poetas praticamente concretos, abrindo caminhos, assombrando a gente.  Com a diferença que enquanto eu patino no gerúndio ele infinita o tempo e o verbo. O Mautner que me perdoe, mas minha campanha é outra: Marcelino Freire para amálgama do Brasil! 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O FILHO ETERNO DE RIBAMAR

Vou confessar uma coisa que não cai nada bem: meu namoro com a literatura brasileira estava por um fio até pouco tempo atrás. As razões desse tênue relacionamento variavam de acordo com o interlocutor imaginário com quem discutia a questão cada vez que punha os pés numa livraria, vale dizer, amiúde, mas podiam grosseiramente se resumir em uma: já bastava ter nascido, me criado e vivido o tempo todo, todinho, neste país, então que pelo menos na literatura eu pudesse transitar por outras paragens, outros cantos do mundo, longe da realidade nossa de cada dia. E dê-lhe a me avançar nos tchecos, ingleses, franceses, moçambicanos, espanhóis, húngaros, qualquer estrangeiro bom de lábia que cruzasse meu caminho. Ok, ampliar horizontes não chega a ser um problema, não há lei que me obrigue a comprar produto nacional e pelo menos nessa área o mandarim ainda não é hegemônico, mas certo desconforto havia em esnobar as letras pátrias, é forçoso reconhecer. Então veio a Festipoa Literária. Com José Castello fazendo as honras para o J. G. Noll, sabe lá o que é isso? Conversa feita de mel e argúcia, estendendo para todos o que começara lá atrás, no cafezinho ao pé do balcão, em cúmplice respeito mútuo. Dizendo coisas interessantes, coisas que faziam sentido, que não deixavam a Inteligência à revelia da sensibilidade, venda casada total,  tudo ou nada, de arrepiar os pelinhos. No mundo de quem realmente sabe, a coisa realmente funciona. Por tortas que sejam as vias. Como as que resultaram no merecidamente premiado livro RIBAMAR, que José Castello escreveu em tributo ao pai. Acerto de contas, melhor dizendo, ainda que tardio. O pai está morto, enterrado há muito, mas o tempo não diminui sua importância, só aumenta a necessidade de entender o silêncio, a falta de gesto que o acolha, que redima ambos de todas as omissões que os assombram até que a palavra expurgue tudo no papel, bendito livro, que desfruto aos poucos, intercalando simpatia, ternura, compaixão, com raiva, com vontade de imitar-lhes a atitude e também eu deixar a historia pelo caminho – afinal, por que se acovardam tanto?! Prossigo, contudo. Não é de covardia que se trata, é do que somos, ou não, capazes de plantar no outro. A semente que vinga é a semente possível, não mais do que isso.
 Há um respeito tocante envolvendo tudo, um amor que não sossega, que precisa ser enunciado (coisa de escritor: as palavras criam o mundo), haja o que houver. E quase nunca há, a bem da verdade. Castello utiliza a partitura de uma canção de ninar para marcar os capítulos, o acalanto que passa a vida buscando, na falta do reconhecimento que jamais obteve. Mas para que tudo isso? Que raio de necessidade é essa que nos faz reféns do explícito – palavra ou ato – para que o  afeto se realize, se plenifique?
RIBAMAR remete-me a O FILHO ETERNO, do Cristóvão Tezza, outra magnífica obra, que ruma no sentido inverso ao de Castello – é o pai que tenta justificar-se perante o filho pelo reconhecimento que este lhe nega, a despeito do esbanjamento afetivo que só um doente pode ter. O normal, o sadio, o inteiro, há que ser comedido, partido, econômico. O normal é negar. Castello corre atrás do pai que não teve, Tezza atrás do filho que não quis. Pai & filho. Dualidade poderosa, sujeita às leis particulares do gênero, ao que significa, em suma, ser homem e amar. Tezza demonstra, da primeira à ultima linha, como se erige esse amor sem que sequer uma única vez, nas 222 páginas do livro, a palavra seja dita. Castello não foge do verbo, mas tenta não se alicerçar nele para prosseguir na sua busca de compreensão. É assim que se procede a um ajuste. Eu é que não queria estar na frente desse espelho. 

quarta-feira, 29 de junho de 2011

SHIT

Eu queria ser escritora. Às vezes ainda quero, por razões insondáveis ou por absoluta falta do que fazer, a depender do dia. Ou do jornal que se lê e que bota seu senso de imaginação no pé. A saber:
Informa a página 25 de Zero Hora que um homem de 50 anos, aliado próximo do primeiro-ministro britânico David Cameron, foi encontrado morto num banheiro químico do festival de Glastonbury. Causa provável da morte: suicídio. Suicídio num banheiro químico. De um festival de música. O chefe da Associação Conservadora de Oxfordshire Oeste se matou num banheiro químico de um festival de música!
Posso imaginar alguém morrendo num banheiro químico: é só abrir um pouco demais as narinas que todas as Escherichia coli invadem seu corpo e o transmutam na pocilga onde seus pés estão fincados, ou levar tiros por se recusar a compartilhar o papel higiênico mocosado na bolsa justo para essa insalubre ocasião, ou enfartar por ser o único local onde não dá pra ouvir as dezesseis duplas sertanejas que se apresentam há seis horas na sua fuça. Algo por aí.
O que não dá pra imaginar é como alguém escolhe um local desses pra dar cabo da vida. As pontes estavam todas ocupadas? Faltou trave pra pendurar corda? Cortaram o gás? O último amolador de facas se aposentou? Pílulas e seringas estão em falta?
Tá certo que se o sujeito chega a esse ponto é porque sua vida está valendo menos que seguro-desemprego na Grécia, mas daí a dar os últimos estertores em meio a um repositório excrementício (me puxei nessa!) é, no mínimo, reconhecer que toda sua existência não era flor que se cheire. Optar pela merda como última imagem na retina é o cúmulo da sordidez ou da indiferença, façam suas apostas.
Qual teria sido a motivação? Deixar claro que o governo fede? Protestar contra o mau estado das instalações sanitárias para fins de extermínio? Entrar no Guiness como campeão da categoria mórbido fétido? Enlouquecer a lavadeira?
Sejam quais tenham sido seus motivos, a Associação Conservadora de Oxfordshire Oeste não será mais a mesma depois que seu supremo líder chafurdou onde não devia e, ciosa de sua olorosa participação na coalisão governamental, imagino que deva patrocinar um estudo sobre os efeitos do uso continuado da cerveja e da gaita de foles no clima inglês. Os irlandeses devem levar a culpa.
Diz o jornal que David Cameron está devastado.
Que merda.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

MANDÍBULA


O cérebro aglutina as ondas nervosas no lobo posterior esquerdo e convulsiona o outro lado. O peitoral arfa e treme, arfa e treme e assim vai. O estômago ronca, embrulhado, oco. O abdômen se contrai. O coração bombeia e bombeia, mas o sangue não dá conta, dores em demasia. O fígado nauseia a valer. O mindinho da mão direita balança, a boca entreabre, os lábios racham. A massa cinzenta reagrupa as ondas, o lobo frontal lateja cada vez mais forte, o coração desvaira. Os pulmões explodem. O peito estufa e distende. O cérebro alisa onda por onda até que um fino traço percorra toda a extensão da tela verde ao lado da cama e o botão vermelho apite.
O apito acorda a auxiliar que sacode o técnico que chama o enfermeiro que está no lanche e comemora o arremesso certeiro dos restos na cesta de lixo com o braço erguido, a mão em punho – vitórias não sobejam por ali. Limpa a boca, espana as migalhas, ajeita o jaleco, fecha a cara e parte. O botão está apitando há seis minutos quando um dedo com resquícios de maionese o desliga e uma voz declara: hora do óbito, 18h27min.
Tem início a azáfama do adeus, como Machado diria, não fosse o morto em questão Abreu e não Assis. Um entra e sai de gente a puxar, desligar, arredar, limpar o quarto para pacientes que esperam sobreviver a ele. O soro, o cateter, a sonda se somam às sacolas, lenços e aventais jogados por ali, desleixos que a morte acarreta. Não se vislumbram pertences pessoais, de certo o finado só leva o nome, que o bom-tom recomenda não mencionar.
O corpo é envolvido, sem cuidados, sem pesares, em lençóis e panos para que melhor o carreguem. Uma freira passa pela porta, espia a função, persigna-se e dedica ao ex-vivo um descanse em paz para o caso de Deus estar convosco. A maca é estacionada no corredor, algumas revistas são surrupiadas de passagem, ninguém a prantear o ancião que apenas agora, passados trinta e três minutos, tem as pálpebras cerradas.
Abrem-se as janelas, arrumam-se as camas e, do homem, nem mais um sinal. Exceto um sorriso. Que brilha, aliviado, num copo abandonado.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

ÁGUAS DE MARÇO


O povoado vizinho está ao alcance da vista. Ouve-se, à distância, o grito dos galos e dos cães. Ali as pessoas devem morrer velhíssimas, sem jamais ter viajado para longe”.

Um vírus. Só pode ser um vírus. Daqueles que se pega por bobagem, por cheirar ao acaso uma florzinha para a qual não se dá a mínima, por exemplo, mas que acaba transtornando sua vida para todo o sempre, assim, no mais. Só isso poderia explicar a insanidade de ter largado tudo do bom e do melhor para se enfiar na terra do já vai tarde. Não se trata de esnobismo ou má-vontade, como XX vivia apregoando para não ter que reconhecer sua enorme parcela de culpa no processo todo. Aliás, ‘processo’ é uma de suas palavras favoritas, uma espécie de coringa para quando o jogo já acabou e o resultado foi pífio, porém em seus lábios a palavra soa com tanta delicadeza e respeito, tanta convicção, que XY não reage, não mexe um músculo, só morde a língua para conter a vontade de enfiar os dedos por dentro da boca, rasgar a cara e sair gritando. Sorte a dela ele ser um gentleman. 
O começo foi difícil, casa velha, acesso ruim, fauna e flora em demasia, conexões de menos, ganidos, latidos, uivos em substituição a sirenes, buzinas, trombadas, nervos em estado de prontidão, mais ou menos o que era de esperar em se tratando de neófitos no mundo verde. Encarar como desafio, foi isso o que fizeram e, meio por orgulho, meio por preguiça, se deixaram ficar. XX adquiriu novos hábitos com rapidez suspeita – de onde a vontade de caminhadas a toda hora? E aquilo de plantar salsinha, tomate, alface como se alguma vez tivesse posto os pés na cozinha? Sem falar na mania do crochê (reinvenção da infância?) e o costume recém-adquirido de posar de rouxinol: como uma mulher com formação clássica em piano e violino passa o dia cantarolando Bruno e Marrone?!
Ele, por sua vez, cedo cansou de tentar. Tem certas coisas que não dá pra acostumar, é test-drive rapidinho e deu. Para algo deve servir o auto-conhecimento. Atualmente resigna-se a coisas simples como lavar a louça todas as manhãs, sempre de olho na pedra que encima o morro imaginando quanto tempo ainda aquele gigante calcário resistirá ao convite da água para rolarem juntos e empastelarem de vez seu frágil organismo de intelectual sessentão. Podia imaginar cinqüenta mil modos melhores de morrer do que sob o peso de uma montanha, mas como nenhum é do seu agrado, termina logo o serviço e vai até o janelão da sala ver o estrago que a ventania está provocando na pequena ponte que serve de acesso ao mundo ou o que quer que tenha sobrado do outro lado da cortina d´água. Se ela ruir, estarão completamente à mercê dos deuses cujos nomes confunde (Zeus? Eolo?), mas sempre invoca, agnóstico de meia tigela que é. Que venham!  Senta no tatame, cruza os dedos e as pernas, fecha os olhos e solta o mantra: ômmmmmmmmm. De novo: ômmmmmmm. A chuva nem aí pro mantra. O vento ruge mais alto ainda. Dez segundos e uma cãimbra depois XY está de volta à cozinha, em busca de chá.  Que acabou. Depois de uma semana de aguaceiro a despensa está praticamente vazia e o único comentário que obteve de XX foi: a fome purifica. Só se for o caralho! – gritou ele, com direito a ênfase silábica: só se for o ca-ra-lho! Ela: muito refinado da sua parte. Ele: refinado?! refinado?! E mais não soube dizer, de furioso que estava. Ponto para ela. Again.
Espia novamente a pedra.  ‘Se ela rolasse agora, viria direto pra cima de mim, direto, não sobrava nada’. Imagina sua carne dilacerada, sangue e vísceras expostos, XX debruçada sobre seu corpo, inconsolável, pedindo perdão por tudo, jurando nunca mais abandoná-lo, ele magnânimo absolvendo-a de todos os pecados, os bombeiros retirando-a à força porque não quer se separar do amado marido. Não, não, não, não, nada de avalanche, nada de bombeiros. A pedra há de permanecer onde está, há de.
Volta para o escritório, ao encontro dos velhinhos. São lindos eles. Cabelos brancos, avental branco, lenço branco, sorriso radiante, um esbanjamento de vigor a despeito da idade. Vontade de afogá-los, como se faz com gatinhos recém-nascidos. Danada proteção de tela! Foi ao vê-los que XX decidiu que era hora de se mudarem para o interior, vida ao ar puro, saúde, paz, e não descansou até que ele concordasse, ao argumento do infalível ou dá ou desce. Ele deu. Ela cansou. E agora? O que se faz com isso? Com a intempérie, o despreparo, a dor? A falta?
Pega a chave, destranca o armário, retira o fuzil. Gosta do contato da madeira em seu rosto, da maciez da coronha, do estalido que faz quando se abre para a munição, do cheiro de sangue antigo, familiar. Maldição de respeito, pensa ele enquanto as balas caem no tambor. O som da água sobre o telhado abafa os metais de Glenn Miller, mas não a lembrança: ela dançando ao som de In the mood – júbilo e leveza em perfeita comunhão. Os raios explodem em sucessão, o cano experimenta a boca, a casa treme, o rugido aumenta, a lama vence. Enfim uma pedra sobre esse assunto.

domingo, 3 de abril de 2011

O GRÃO


“O Cruzeiro está tão alto que não pode discernir os risos e as lágrimas dos homens”


O grão vira para um lado e para o outro em lânguida fruição – por mais que queira, sabe que não vai a lugar algum. Nenhum deles vai.
O objetivo do vira-vira é tão-somente dourar por inteiro, sem marcas aparentes. As origens desse costume – mecânica ou sensorialmente praticado por todos que se amontoam nos três mil duzentos e vinte e nove metros de costa – perdem-se na memória do que hoje é conhecida como era hegemônica do esférico redundante, a despeito de resquícios identificados já no mesozóico. A uniformidade tonal dérmica foi a conseqüência mais óbvia da solarização, mas não a única. Também as ondas mentais sofreram alteração de ritmo, mas depois que um equilibrista demonstrou inexistir relação entre inteligência e movimento, esborrachando-se contra si mesmo, as academias foram perdendo importância na proporção direta da valorização dos iogues e sua maldita arte da contemplação, como o grão a denomina, farto que está.
O grão se pergunta se isso não seria decorrência da limitação unidimensional adquirida ao longo do tempo: nada além de P, M, G, GG, XG, do maior ao menor, o divisor comum estabelecendo os limites e só. Redondo.
Sob esse aspecto (ninguém nunca deve saber disso, jura!), nutre certa inveja dos protubéricos, com todas aquelas pontas, curvas e cotovelos a saírem pelos poros, embora desconfie que portar garras talvez não se constitua num upgrade de grande valia. Por outro lado, a inquietude, a ansiedade que permeiam o contínuo processo de olhar-selecionar-pegar, com os derivativos possíveis de tocar-rejeitar-devolver ou fui-argh-eca! talvez não compensem a agitação que parece sedutora para quem vê de fora, como é o caso do grão, quando surta e sente falta dos dedos. De vê-los, ao menos.
Lembra do pai. Movimento é dor, ensinava o progenitor. Dizia ele também que não passamos de um pontinho no universo, um grão no deserto. Uma insignificância absoluta. Tomou-o ao pé da letra. Abriu mão do nome, ficou com a fome. A partir de então os esféricos seriam sua tribo. Às máquinas, o fazer, ao ser, o nada. Foi deitar na praia e se abandonou.
Falta pouco para a noite chegar. Com ela vem junto a brisa marinha, o bulício das palmeiras e luaus por toda a extensão da orla. O grão não participa dessas coisas, só fica no aguardo, no rola e desrola enquanto briga com o sono, as nuvens de lembranças. Bicho, pedra, toco, sujeito, tempo. Tudo tão remoto!  O pior – aprendeu desde cedo – sempre está por vir. As marés, por exemplo. Dizem que são reguladas pelos astros, que não fazem por mal quando empurram o mar por cima de tudo, espalhando temor e dejetos pelas dunas que o vento traz cada vez mais para perto da água. É o que dizem, porém como acreditar numa força dessas quando tudo que se vê neste negro céu é uma pandorga cintilante de estrelas tão lindas que a natureza inteira silencia e até mesmo o oceano recua para que aquela onda imensa, lá longe, possa beijar-lhe os pés?

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O TIO QUE NINGUEM ENTENDE

Estou vendo tudo que posso depois de quase dois meses na praia,
onde os cinemas pertencem ao passado, assim como as livrarias.
Ontem foi dia do TIO BOONMEE, um tailandês premiado em Cannes ou Berlim,
merecedor de 5 estrelas pra turma da ZH e de todas as láureas por onde tem sido exibido
e que me levou à seguinte conclusão: globalização uma ova!
Fora do estreito trilho do consumo, que tudo e todos padroniza,
o resto é enigma e assombro.
O mundo oriental me provoca estranheza, seja por conteúdo, seja por forma.
Quer dizer, além de não entender, não dá pra ter pressa.
A única coisa que me parece certa nisso tudo é que sem contemplação não tem solução.
A uma certa altura do filme, o ronco da poltrona ao lado quase me acordou, dá pra acreditar?
Pois é. Não houve remorso, não houve arrependimento, mas também não houve entendimento. 
Portanto, se quiser provar, avance.

Agora, se quiser ir pelo certo sem laivos de duvidoso, assista O Discurso do Rei.
História com início, meio e fim, sem metalinguagem, com excelentes atores,
bem contada e solucionada. Não instiga mas não incomoda. Distrai. Legal.
Um pouco mais do que isso, na verdade, estou me fazendo de bacana, 
de quem se impressiona com filmes de arte e olha com desdém o block,
quando no fundo é comercial de margarina que faz a lagriminha cair bonito, bonito.
Mas chega, o filme é bom. Ponto.