“O Cruzeiro está tão alto que não pode discernir os risos e as lágrimas dos homens”
O grão vira para um lado e para o outro em lânguida fruição – por mais que queira, sabe que não vai a lugar algum. Nenhum deles vai.
O objetivo do vira-vira é tão-somente dourar por inteiro, sem marcas aparentes. As origens desse costume – mecânica ou sensorialmente praticado por todos que se amontoam nos três mil duzentos e vinte e nove metros de costa – perdem-se na memória do que hoje é conhecida como era hegemônica do esférico redundante, a despeito de resquícios identificados já no mesozóico. A uniformidade tonal dérmica foi a conseqüência mais óbvia da solarização, mas não a única. Também as ondas mentais sofreram alteração de ritmo, mas depois que um equilibrista demonstrou inexistir relação entre inteligência e movimento, esborrachando-se contra si mesmo, as academias foram perdendo importância na proporção direta da valorização dos iogues e sua maldita arte da contemplação, como o grão a denomina, farto que está.
O grão se pergunta se isso não seria decorrência da limitação unidimensional adquirida ao longo do tempo: nada além de P, M, G, GG, XG, do maior ao menor, o divisor comum estabelecendo os limites e só. Redondo.
Sob esse aspecto (ninguém nunca deve saber disso, jura!), nutre certa inveja dos protubéricos, com todas aquelas pontas, curvas e cotovelos a saírem pelos poros, embora desconfie que portar garras talvez não se constitua num upgrade de grande valia. Por outro lado, a inquietude, a ansiedade que permeiam o contínuo processo de olhar-selecionar-pegar, com os derivativos possíveis de tocar-rejeitar-devolver ou fui-argh-eca! talvez não compensem a agitação que parece sedutora para quem vê de fora, como é o caso do grão, quando surta e sente falta dos dedos. De vê-los, ao menos.
Lembra do pai. Movimento é dor, ensinava o progenitor. Dizia ele também que não passamos de um pontinho no universo, um grão no deserto. Uma insignificância absoluta. Tomou-o ao pé da letra. Abriu mão do nome, ficou com a fome. A partir de então os esféricos seriam sua tribo. Às máquinas, o fazer, ao ser, o nada. Foi deitar na praia e se abandonou.
Falta pouco para a noite chegar. Com ela vem junto a brisa marinha, o bulício das palmeiras e luaus por toda a extensão da orla. O grão não participa dessas coisas, só fica no aguardo, no rola e desrola enquanto briga com o sono, as nuvens de lembranças. Bicho, pedra, toco, sujeito, tempo. Tudo tão remoto! O pior – aprendeu desde cedo – sempre está por vir. As marés, por exemplo. Dizem que são reguladas pelos astros, que não fazem por mal quando empurram o mar por cima de tudo, espalhando temor e dejetos pelas dunas que o vento traz cada vez mais para perto da água. É o que dizem, porém como acreditar numa força dessas quando tudo que se vê neste negro céu é uma pandorga cintilante de estrelas tão lindas que a natureza inteira silencia e até mesmo o oceano recua para que aquela onda imensa, lá longe, possa beijar-lhe os pés?
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