domingo, 22 de abril de 2012

DE OLHO EM VOCÊ



Sabe aquela coisa de as pessoas lembrarem exatamente onde estavam quando souberam da morte de Kennedy, Elis ou Mamonas? Pois eu lembro exatamente onde estava quando o vi pela primeira vez: na frente da bailarina. Ela era linda e não era a única, várias delas se espalhavam pela sala, com seus tutus, pés em ponta e braços em arco, mas apenas ela enfiava o dedo no nariz enquanto a outra mão coçava a bunda. Bailarina com ranho e olho do cú, tai uma coisa que eu gosto.  Então posso dizer que ela me pegou de jeito, cativa, cativa, cativa, até que precisei respirar, virei para o lado e... bam! Lá estava ele. O azul da íris explodindo contra o amarelo da face, olhando pra dentro de mim, sem meios tons. A bailarina que se dane, devo ter pensado, porque num zás-trás estávamos cara a cara. Coração aos pulos, afinal, ELE estava diante de mim. Passara a vida vendo-o em revistas, livros, filmes, porém nada me preparara para o tête-à-tête implacável com a força do homem que digladia contra sua sina, a cor, a dor, que se faz beleza, que se faz arte. E que me deixa ali, sozinha com toda a humanidade. Haja! Passado algum tempo, pulsação cardíaca já voltando ao normal, desperto para o mundo em volta. Lá estão os corvos, os girassóis, o quarto. Onde se viu pintar desse jeito? Então, meu recado é este: eu não espero que você pinte como Van Gogh, que esculpa como Degas ou me faça tremer nas bases só porque não tenho nada melhor a fazer nos domingos à tarde. Tudo o que espero é poder entender sem ler, algo como um vapt-vupt estético em que nos encontramos no meio do caminho de nossos saberes e referências e faz-se a luz. Simples. Nada de palavras pra enfeitar ou esclarecer o que não fala por si. Entendimento não é defeito, hermetismo não é galardão, então não te faz de besta e vem com tudo, sem meia boca, sem medo de contar, de mostrar, de gritar, de expor o ranho. Porque senão, meu querido, vou te mandar tomar no cú. Como uma bailarina.