terça-feira, 15 de maio de 2018

O MAL DA CHAGA

    A vida é mesmo um susto. Quando menos se espera daí mesmo não vem nada, daí mesmo vem tudo. Você só vai dar uma saída pra ver um debate, encontrar umas pessoas legais, ouvir umas coisas inteligentes e, quando dá por si, tá com o emocional dilacerado, coração aos pulos e uma puta culpa atravessando cada poro de teu corpo. Porque ali, na tua fuça, com elegância, com uma gentileza que você talvez nem mereça, aqueles a quem no Brasil chamamos de negros, em outras plagas de afro-descendentes, contam, um por um, o que significa ser quem são nesta terra tão cordial e bonita por natureza que agride, encarcera e mata mais do que qualquer outro país do mundo, de preferência os escurinhos, como diria minha avó, crente de que assim não ofendia. Desta vez a FestiPoa não livrou a cara de ninguém. Tudo foi dito, declamado, dançado, cantado, cuspido. Como deve ser. Porque essa chaga é uma nojeira. Porque essa dívida é de todos que pegaram o navio de livre e espontânea vontade, que atravessaram os mares com sua bagagem, sua memória, seu nome intactos, e usufruíram - e usufruem - os serviços dos que vieram nus, acorrentados, sem direito a nome, sobrenome, história. E que, a despeito de tudo isso, construíram uma cultura que nos engrandece, mesmo que boa parte continue invisível, fora dos holofotes do luxo, restritos aos cantinhos que sobram. Shame on you, diriam os gringos. Vergonha pouca é bobagem. Mas isso tem remédio. Racismo não está no sangue. É vício de ignorante. Como disse Elisa: o olhar inclui. O amor agrega. Abrace, ame, revolte-se, defenda, abra corações, mentes, portas, chute portas, encampe essa luta, tá mais do que na hora. Racismo não é crime inafiançável, é crime inominável. Chega, tá?