Sabe
aquela coisa de as pessoas lembrarem exatamente onde estavam quando souberam da
morte de Kennedy, Elis ou Mamonas? Pois eu lembro exatamente onde estava quando
o vi pela primeira vez: na frente da bailarina. Ela era linda e não era a
única, várias delas se espalhavam pela sala, com seus tutus, pés em ponta e
braços em arco, mas apenas ela enfiava o dedo no nariz enquanto a outra mão
coçava a bunda. Bailarina com ranho e olho do cú, tai uma coisa que eu gosto. Então posso dizer que ela me pegou de jeito,
cativa, cativa, cativa, até que precisei respirar, virei para o lado e... bam!
Lá estava ele. O azul da íris explodindo contra o amarelo da face, olhando pra
dentro de mim, sem meios tons. A bailarina que se dane, devo ter pensado,
porque num zás-trás estávamos cara a cara. Coração aos pulos, afinal, ELE
estava diante de mim. Passara a vida vendo-o em revistas, livros, filmes, porém
nada me preparara para o tête-à-tête implacável com a força do homem que
digladia contra sua sina, a cor, a dor, que se faz beleza, que se faz arte. E que
me deixa ali, sozinha com toda a humanidade. Haja! Passado algum tempo,
pulsação cardíaca já voltando ao normal, desperto para o mundo em volta. Lá estão
os corvos, os girassóis, o quarto. Onde se viu pintar desse jeito? Então, meu
recado é este: eu não espero que você pinte como Van Gogh, que esculpa como
Degas ou me faça tremer nas bases só porque não tenho nada melhor a fazer nos
domingos à tarde. Tudo o que espero é poder entender sem ler, algo como um
vapt-vupt estético em que nos encontramos no meio do caminho de nossos saberes
e referências e faz-se a luz. Simples. Nada de palavras pra enfeitar ou
esclarecer o que não fala por si. Entendimento não é defeito, hermetismo não é
galardão, então não te faz de besta e vem com tudo, sem meia boca, sem medo de
contar, de mostrar, de gritar, de expor o ranho. Porque senão, meu querido, vou
te mandar tomar no cú. Como uma bailarina.
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