segunda-feira, 11 de abril de 2011

MANDÍBULA


O cérebro aglutina as ondas nervosas no lobo posterior esquerdo e convulsiona o outro lado. O peitoral arfa e treme, arfa e treme e assim vai. O estômago ronca, embrulhado, oco. O abdômen se contrai. O coração bombeia e bombeia, mas o sangue não dá conta, dores em demasia. O fígado nauseia a valer. O mindinho da mão direita balança, a boca entreabre, os lábios racham. A massa cinzenta reagrupa as ondas, o lobo frontal lateja cada vez mais forte, o coração desvaira. Os pulmões explodem. O peito estufa e distende. O cérebro alisa onda por onda até que um fino traço percorra toda a extensão da tela verde ao lado da cama e o botão vermelho apite.
O apito acorda a auxiliar que sacode o técnico que chama o enfermeiro que está no lanche e comemora o arremesso certeiro dos restos na cesta de lixo com o braço erguido, a mão em punho – vitórias não sobejam por ali. Limpa a boca, espana as migalhas, ajeita o jaleco, fecha a cara e parte. O botão está apitando há seis minutos quando um dedo com resquícios de maionese o desliga e uma voz declara: hora do óbito, 18h27min.
Tem início a azáfama do adeus, como Machado diria, não fosse o morto em questão Abreu e não Assis. Um entra e sai de gente a puxar, desligar, arredar, limpar o quarto para pacientes que esperam sobreviver a ele. O soro, o cateter, a sonda se somam às sacolas, lenços e aventais jogados por ali, desleixos que a morte acarreta. Não se vislumbram pertences pessoais, de certo o finado só leva o nome, que o bom-tom recomenda não mencionar.
O corpo é envolvido, sem cuidados, sem pesares, em lençóis e panos para que melhor o carreguem. Uma freira passa pela porta, espia a função, persigna-se e dedica ao ex-vivo um descanse em paz para o caso de Deus estar convosco. A maca é estacionada no corredor, algumas revistas são surrupiadas de passagem, ninguém a prantear o ancião que apenas agora, passados trinta e três minutos, tem as pálpebras cerradas.
Abrem-se as janelas, arrumam-se as camas e, do homem, nem mais um sinal. Exceto um sorriso. Que brilha, aliviado, num copo abandonado.

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