domingo, 23 de março de 2008

A INVENTADA MORTE DE CLARICE M.

Luciane F. acha absurda a morte de Clarice M. .
Luciane F. se diverte com a inventada morte de Clarice M. – ataque agudo de narcolepsia enquanto manobrava o carrinho cheio do súper numa lomba é coisa de gênio.
Luciane F. analisa as informações que tem e não sabe se inveja a vida ou a morte de Clarice M. Ser capaz de dirigir somente carrinho de súper é coisa de idiota. Isso é fato. Ser capaz de tudo o mais é mais do que sonhou para si?
Luciane F. começa a duvidar do que sabe. Tende a crer no que lhe dizem, entre ouvir e acreditar a distância sempre lhe pareceu mínima. Mas boba não é. E o que está escrito nas duas folhas que amarrota entre as mãos é um pouco demasiado para sua inerente boa-fé. Não pelos eventos em si, perfeitamente factíveis, mas pela explicação que os acompanha, redonda demais, certeira demais, feito filme em off.
Nesse sentido Clarice M. não economizou, o pacote de toda uma vida foi passado bem amarradinho: mais velha de três irmãs, todas disrítmicas e estudiosas, passou a infância sem fazer nada de notório exceto dirimir conflitos sentando sobre eles, padeceu de adolescência cruel o suficiente para ser esquecida, chegou à universidade amparada por testes psicotécnicos que apontavam a magistratura como o destino inevitável, idéia que mandou às favas quando cruzou com o primeiro grupo de teatro, onde aprendeu a desobedecer com propósito e outras tantas coisas de difícil reprodução, ao ponto de resolver trocar o palco de cena pelo palco da história, que a trouxe de volta aos bancos universitários por curto porém expressivo período, até cansar de tudo e dedicar-se às letras e à vida de funcionária pública, fazendo diariamente justiça com as próprias mãos ao digitar as mentiras que ouve nas audiências e cantarolar, ininterruptamente, jingles de margarina.
Tudo temperado por vigorosas noções de justiça, filosofia e uma psicanálise pra lá de barata na hora de justificar o não-casamento, a não-maternidade e outros nãos que deixou pra lá. Afinal, não custa lembrar, é apenas um exercício e, como tal, não carece ser verdadeiro, basta ser verossímil. Luciane F. sabe disso, Luciane F. aceita isso, mas gostaria, bem no fundo, que a moeda fosse outra, que pudesse confiar. Luciane F. aprendeu, desde pequenininha, que mentira tem perna curta, dá trabalho e exige boa memória, coisa que nunca teve.
Então Luciane F. faz o que nunca faz: inventa. E mata Clarice M. de sono.

2 comentários:

Luciana F. disse...

Pô, Clarice! É Luciana!!! HEHEHEHEEH!!!BJOS!

Luciana F. disse...

Ah, esqueci: deixa de ser ingrata! Ora, carrinho de super!!! Te matei num Mustang 68!!! hahaha!!! Para conferir: http://ideiasdelucianaf.blogspot.com/2008/03/oficina-de-crnica-misso.html#links