domingo, 23 de março de 2008

HAJA PACIENCIA

1.
Idéias não são repolhos. Idéias vicejam, como também os repolhos, idéias se multiplicam, nesse caso como os coelhos, idéias inspiram, idéias matam, idéias cansam a beleza quando estouram sem aviso e te deixam na pena da mão. Frágeis, muito frágeis as idéias. Ergo, valiosas.
2.
Aconteceu há pouco. A notícia do jornal deu-me o material, o professor o tema, neurônio falou com neurônio e, voilá!, a idéia: a impaciência na política ou a importância de um laço bem dado num pacote mal arranjado. Atual, candente, assunto de todas as rodas, as eleições municipais se constituíam num mote e tanto para a crônica. Feito.
3.
Então o cinema perde um dos seus e o que parecia uma ótima idéia sobre o exercício da paciência sucumbe ante a entrada – ou melhor, definitiva saída de cena de um mestre em pôr à prova tão precária virtude. Não. O PT que me perdoe, quando um inglês morre algum bardo se revira na tumba e teias se alvoroçam, palavras se impõem. Sai Rosário, entra o calvário.
4.
Morre Anthony Minghella. Deixa como legado uma montanha gelada e um paciente inglês que, ao contrário de seu autor, não morre nunca. Por meio de uma obra que desafia a sã passagem do tempo, conseguiu a proeza de destronar os chineses, até então insubstituíveis na tortura conta-gotas. No plano pessoal redefiniu conceitos arraigadissimos sobre meu propalado auto-controle, além de me colocar como séria candidata a director killer, se assim dá pra chamar assassino especializado em cineasta burro.
5.
Lembro até hoje: o dia estava bonito, não carecia me enfiar num cinema com outros duzentos turbinados de coca e pipoca, quando poderia borboletear entre plátanos e sarados, qualquer coisa do gênero. Mas não. Paguei pra ver. Botei meu lado macho de escanteio e deixei que a guria romântica escolhesse o filme em que a bela Juliette enfrentava os maiores perigos para salvar uma múmia que não parava de gemer e contar histórias ridículas. Nem quinze minutos transcorridos e meus gemidos já começavam a se sobrepor aos do tal paciente que, coerência über alles, era interpretado por um ator mumificado de nascença, Ralph Fiennes, tão empolgante quanto um coquetel de bolacha maria. (Nesse particular, acho que os ingleses escolhem seus galãs com os mesmos critérios estéticos que seu futuro rei escolhe amantes).

No escurinho, mãos cruzadas sob o queixo, eu intimamente indagava a um deus ausente: mas por que não morre de uma vez?! Fez-se de surdo comigo, o divino, de sorte que pelas infindáveis três horas restantes soluços disputaram com bocejos a primazia dos decibéis, enquanto a Foice não se decidia a quem arrastar para seus domínios: o protagonista ou os espectadores.
6.
Anos mais tarde, o que poderia ser interpretado como acidente de percurso de principiante revelou a natureza perversa do britânico: jogou sobre o público duas loiras geladas (e não é de cerveja que estou falando) num cenário insípido como o enredo. Ou seja, malvado e reincidente.
7.
Aprendi desde criança que é feio desejar mal para alguém, não se faz. Mas toda regra admite exceção e os chatos a merecem plenamente. Porque o chato é um tediopata, digamos, um insensível social que deve ser escorraçado de pronto, pois ataca em meios com pouca capacidade de defesa como salões semivazios e cinemas lotados. Neste último caso a situação se complica quando o cineasta, além da dinheirama que recebe para aborrecer o alheio, conta com o apoio de outra categoria que faz do tédio profissão de fé: críticos de cinema, os tais que acham Glauber o máximo, o Irã a meca do cinema moderno e botam a maior pilha pros incautos assistirem coisas que eles mesmo detestam. Bom, merecem uns pensamentos bem feinhos eles todos.
Morre Anthony Minghella. Antes tarde do que nunca.

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