TUDO
QUE É - 371 páginas para contar a vida de Bowman, editor nova-iorquino, e nada
de relevante pra se extrair daí. O protagonista (protagonista mulher é coisa de
mulher) é editor, escritor, professor ou artista, que circula por
Londres-Paris-NY e, seja qual for sua idade, não para de comer mulher, uma mais
gostosa que a outra, as barangas ficam pra quem escreve sobre encanador, mas
pra isso o autor tem que ser Faulkner e o leitor não pode ser eu. Paixão, viagens,
sexo, jantares e encontros recheados de nada, moral zero, tudo o mais fica pra
outro dia, outro romance, outra América, talvez. Nada que ultrapasse o tête-à-tête até o final, carpe
diem. 371 páginas e só na 365 encontrei algo que merecesse reflexão: “Não gosto
da palavra gay”, ele disse. “Os imperadores romanos não eram gays. Eles nadavam
nus em piscinas com rapazinhos treinados para o prazer, mas parece estranho chamá-los
de gays. Depravados, viciados em prazer, pederastas, mas não gays. Isso destrói
a dignidade da perversão”.
“Isso destrói a dignidade da perversão”. Que frase! Até
a perversão tem o direito de ser chamada pelo que é, um desvio da norma que
passou a ser ignorado em nome de uma aceitação geral que acaba em casamento, batismo,
sacramento. So what? Destruir a
dignidade das palavras é o resultado mais visível do politicamente correto.
Outro é escamotear o fato em benefício da linguagem. Tanto faz se você é
machista ou chauvinista, desde que não me conte, não se mostre. Tapetão sujinho esse. Pode
haver, creio, aspectos positivos no uso dessa política, não se sentir agredido
por preconceitos, por exemplo, mesmo que eles continuem habitando o sujeito que
te rasga com os olhos de boca fechada. Pode ser. Porém restituir à palavra sua
dignidade me parece essencial. Qual o problema de ‘anão’, ‘negro’, ‘gordo’? Não
são insultos, não são reduções, são palavras que dizem o que uma coisa é. Eu sou
gorda, não fofinha nem lateralmente avantajada. Gorda. Isso não me ofende. Me
ofende o preconceito, a grosseria, a presunção da verdade sobre premissas
mentirosas. Dá uma tristeza ver alguém dizer o que pensa e, 15 minutos depois,
sair correndo a se desdizer, pedir desculpas, não sei o que eu tinha na cabeça,
sorry, sorry, sorry. Recall de sinceridade é patético. Bem dizia o Jair
Rodrigues: deixa que digam, que pensem, que falem. Sem isso, como debater e, de
fato, no tutano, mudar alguma coisa? Abaixemos as armas. Às palavras! Cruas,
por favor.
4 comentários:
A literatura ficcional ainda goza de uma liberdade maior no uso de termos e ideias que foram abolidos da conversação cotidiana em nome do que se considerou correto politicamente.
Nela, quase tudo pode ser dito, porque as palavras são proferidas por um personagem, que, por enquanto, está protegido do julgamento implacável do bom senso social. Por isso, às vezes, a leitura se apresenta não apenas como uma rica possibilidade de entendimento do mundo que nos rodeia, mas como melhor opção de observar a vida real. A realidade, propriamente dita, foi, através da linguagem cerceada, transfigurada em ficção que em nada a representa. Por isso, faço minha as palavras de Clarice e proponho um retorno ao mundo real. Às palavras cruas. À realidade nua e crua.
Para o bem de toodos e a felicidade geral da nação,né guris?!
Para o bem de toodos e a felicidade geral da nação,né guris?!
Não sei se a nação fica mais feliz com isso, que a moda de enquadrar os outros tá rolando solta por aí, mas ao menos nós nos permitimos dizer o que pensamos e não ficaremos mais burros por isso ;)
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