A primeira vez em que ouvi o chamado, não reconheci a Voz. Não era de homem, não falava inglês, não lembrava em nada o negão do filme, só podia ser trote. Mas aí ela, sim, ELA, disse como se fosse a coisa mais natural do mundo: se você me crê, me vê. E juro que deu pra sentir ela sorrindo pra mim, um hálito quente, perfumado, me envolvendo e eu assim me desmanchando porque falava como a Scarlet, o mesmo jeito ciciante de ser, cada palavra se encaixando direitinho no que eu sentia, um retrato fodido da vida que eu levava, um castelo de cartas tão fácil de soprar que quando dei por mim, nu, sujo e enrabado no posto da aduana, tive a epifania que mudou tudo, porque uma mulher assim só chega na vida da gente pra consertar as coisas, pra botar prumo, pra provar que Deus existe e ponto final, que mais baixo não dá pra cair, por isso agora professo: se é pra viver, creia comigo, se é pra morrer, posso te dar uma ajudinha, que a fila anda.
Não faz essa cara de assustado, que não sou louco. Olha pra minha estampa, a qualidade desse terno, no caimento, reparou o corte, o estilo? Isso, meu filho, é coisa de gente bem, que vai à igreja, sabe onde o calo aperta e onde a pressão aguenta o tranco. Ou não. Você, dá pra ver de cara, tá mais pra não. É tudo negação, sujeira, do tipo em que se picando tudo dá. Leva tudo de arrastão, família, casa, e o mundo que se exploda, não é assim? Pois olha, se não fosse por sua mãe, dona Alzira, que lhe recomendou muito eu lhe procurar aqui, nesse muquifo de última, eu deixava por isso mesmo, pra não ficar com esse cheiro ruim impregnado nessa roupa tão caprichada que minha Marlene encomendou especialmente de Miami pra mim, Miami, já pensou? Nem sabe onde fica, garanto. Pois dona Alzira acha que você ainda tem jeito e me pediu esse favor, de passar aqui, lhe trazer a Palavra. Eu trouxe, tá tudo aqui, cada coisa que Jesus disse, fez, contou, tudo aqui, nesse livro meio gasto mas nem por isso menos valioso porque ele nos conta uma história de Verdade, Amor, Doação. Você devia se dar um tempo e ler. Tintim por tintim. Sem essa cara de nojo, que não pode ser maior que o meu não, seu fodido de merda. Então, pra nos poupar trabalho, aí vai o resumo da história: se não gostar do que tá escrito, recorta o que tá colado e fuma, que o papel de seda é de excelente qualidade, vai por mim. E se nem assim você encontrar seu Deus, olha bem na minha cara e sente a suavidade dessas mãos tratadas a Relief 10 vindo da Lafayette de Paris para que a força, que nunca me abandona, não deixe marcas indeléveis nesse pescoço tão frágil, negro, quebradiço. Sentiu? Vai com Deus, meu filho.
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