quinta-feira, 15 de maio de 2008

VOCÊ VIU O CABEÇÃO POR AÍ?

O cabeção tá chegando. Depois de um mês de preparações, adiamentos, dúvidas, tá chegando o cabeção. Já me decidi: vou botá-lo contra a parede. Cara a cara, olho no olho, assim vai ser. Alguns dizem que pode ser intimidante, desconfortável essa proximidade sem volta, que é preciso muita coragem encarar a coisa desse jeito. É verdade, mas também é verdade que tem horas em que é preciso pagar pra ver e ponto. O cabeção tá chegando.

sábado, 3 de maio de 2008

BISONTICES

Ele arde como se um bisão estivesse à espreita na estepe gelada. Mas nem bisões nem estepes fazem parte de meu universo, restrito ao asfalto da cidade e ao conforto de minha sala onde o fogo, simplesmente, arde. O primitivo habita apenas os arquétipos cujo significado busco em livro e entrego ao psicanalista para servir-lhe de consolo ante a resistência pétrea do que chamamos psiquê e os antigos de alma. Mesmo assim, à medida que a noite e o frio avançam, uma nostalgia de caverna toma conta de mim. De quando os sentidos eram plenos e a razão quase nula. Envolta em peles, carne, sangue, e carvão para desenhar. Caninos fortes, narinas salientes, nervos reflexos, mãos que agarram, cavam, miram, matam, saciam. Elementar assim.

UAÚ

Com um último suspiro cravo o espinho no peito e vou à rua, à luta, às ganas.
Em algum lugar haverá espaço para o meu luar.

BICHO DE ESTIMAÇÃO

Meu bicho de estimação é bípede, racional quando consegue, instável, cruel e generoso, tribal e individualista, o maior predador de todos. Tem dias que ele me provoca raiva, outras me acende, deixa indiferente, cansada, burra. Mas é minha tribo, fazer o que?

HORA DO VAVAU

Que não reste dúvida: minha vocação pra Brigitte beira o zero. Ao contrário da Bardot, miados e latidos não suscitam em mim os aiaiai-uiuiui que se ouve amiúde nos parques e adjacências quando uma lulu passa carregando outra.

Sou do tipo que sintoniza no Animal Planet pra pegar no sono, não para me enternecer com os folguedos de leõezinhos nas savanas africanas, acho que isso já diz tudo.

O problema é que não me acham legalzinha se não me amarro em bichinho.

Em termos de julgamento moral, conta mais gostar de quatro patas do que de duas, sinal do quanto nos depreciamos enquanto tribo.

A verdade é que não desgosto dos bichanos, apenas os considero pelo que são – animais. Desconfio de quem declara amor aos ditos mas não abre mão de cobri-los de boina e vestidinho, apelido de madame, porta fechada e colo – o bicho estimado aí é o ego do dono, não o vavau que lhe lambe as pernas.

MIRA SÓ

As fechaduras dormem sossegadas por onde ando. Posso meter-lhes uma chave, se a liberdade der comando, mas o olho passa ao largo, desinxerido como ele só.
Dizem que é bom ser curioso, sinal de apego à vida, troço assim, mas quem disse que é pelo olho que se vê?