Ler
é bom. Ler é tri. Ler é demais. Demais mesmo. Em qualquer sentido que se
entenda. E, ao contrário do que se pensa, a web não veio atrapalhar hábitos de
leitura, veio é incrementar o processo com doses razoáveis de dispersão e
nonsense. A quantidade de contos, crônicas, links, podcasts, vídeos, artigos e
textos jornalísticos, artísticos, literários, políticos, espirituais, do raio
que o parta que são espargidos sobre nós diariamente é espantosa. Tudo sob
forte recomendação, ressalte-se. Produz-se tanto nestes tempos, que o ler quase
não abre tempo para o fazer, então a leitura diagonal, de vesgueio, passou a
ser a regra, vez que não basta ler, é preciso também curtir, comentar ou
compartilhar, coisas que por sua vez provocam novas reações que demandam mais
atenção e assim a coisa vai, vai e vai, não me pergunte pra onde. Mas, por isso
mesmo, tem horas em que bate uma vontade imperiosa de trocar a banda larga pela
bunda larga no sofá, um alentado livro nas mãos para mergulhar, com toda calma,
em outros universos, siderais ou existenciais. Segundas-feiras chuvosas são
ótimas para isso. Qualquer dia chuvoso é ótimo para isso. O mais difícil é
escolher a coisa certa pra entrar de chofre.
Se
você estiver cansado da multiplicidade de tudo (múltiplo passou a ser adjetivo saidinho,
se deu pra perceber) e preferir adentrar num universo já conhecido, a
literatura policial não te deixa na mão. Quem faz carreira no ramo é porque já
criou um detetive-policial-investigador com características bem marcantes, num
cenário bem definido e todo um jogo de relações familiares e profissionais que
fazem com que o dito se torne uma pessoa da casa, por assim dizer. Quando você
pega um livro da P. D. James, por exemplo, sabe de antemão que vai encontrar o
inspetor-superintendente Adam Dalgliesh fazendo uso de sua inteligência e
sensibilidade de poeta (sim, ele é poeta e dos bons) para desvendar os crimes
que ocorrem entre jardins e escarpas britânicos, esfera de atuação da Scotland
Yard, sempre auxiliado por uma equipe que você também já conhece, de modo que
pode auxiliar o inspetor no que for preciso, coisa que o bom leitor tem o dever
de fazer. O mesmo se aplica aos livros que envolvem o delegado Guido Brunetti
em Veneza, cujo traçado já se tornou familiar para mim, como se lá tivesse
estado; Salvo Montalbano, que me diverte dividindo seu tempo entre a busca por
criminosos e por tascas onde comer as melhores sardinhas, personagem por sua
vez inspirado em Pepe Carvalho, que Vásquez-Montalbán criou para exibir dotes
culinários refinadíssimos enquanto desvenda de crimes passionais a políticos, ao
contrário do inspetor Maigret, que soluciona mistérios tomando doses
impressionantes de calvados desde as
primeiras horas do dia, enquanto que Kurt Wallander se esquece de fazer uma
coisa e outra mesmo quando a Suécia enregela seus ossos e Botsuana aquece a
corpulenta e doce Preciosa Ramotswe, a primeira detetive daquele recanto
africano.
Todos
esses mundos chegam a mim por meio da leitura paciente, atenta, que nenhuma web
me dá, por melhor que seja. Isso quando chove. Nos outros dias, o universo se
multiplica mais ainda e expande suas forças sobre o fazer estético, quando
então me permito comentários inúteis como este que acabo de escrever para que
alguém, em algum lugar, possa ler, curtir, comentar, compartilhar e, de preferência,
não deletar. Bom apetite!