Quando o amálgama começou a saltitar pelo palco, esperneei: o homem cordial de novo?! Será que não cansam desse assunto? Mas a boca escancarada cheia de dentes insistia: o brasileiro sabe se misturar, o brasileiro sabe conviver, vamos abrasileirar o mundo! Aproveitar a Copa, as Olimpíadas, a Crise e abrasileirar o mundo! Ah, cara, taí um caso em que menos com menos não dá mais. Que tipo de exemplo Jorge Mautner acha que somos capazes de dar? Um país que entra em convulsão quando fica em segundo numa copa de futebol, mas acha normalíssimo ficar em 90º em educação, é isso que somos. Simpáticos, claro. Musicais, sem dúvida. Acolhedores, no question. Campeões mundiais de assassinatos, inegável. Marque um X na resposta que lhe pareça certa e depois, se for o caso, saia vestido de branco para abraçar a lagoa Rodrigo de Freitas ou o Ibirapuera ou participe desses troços que a turma do bang-bang-xapralá costuma fazer pra avisar que ainda mora na filosofia. Então, quando o Mautner apelou pra tudo que sabia de Heidegger holocausto tropicália mãe de santo para erguer bem alto seu estandarte de melting-pot tupi-planetário como a cura para todos os males, juro que quase torci meu bigode imaginário e me entreguei ao cinismo que nos deixa tão superiores, né, bem? Quase, que na hora agá baixou outro santo, mais sabidinho, e percebi que não se trata de uma situação sociológica ou uma perspectiva antropológica de um sujeito que, não bastasse ser violinista, subiu no telhado há muito tempo. Não. Há exemplos palpáveis por aí. Gente que faz, do amálgama, coração. Como Marcelino Freire. O escritor de Contos Negreiros, o criador da Balada Literária de São Paulo, capaz de botar num palco minúsculo dois augustos luminares da cultura nacional como se fosse papo de comadre. E é. Só que custa um monte. Tempo, trabalho, dinheiro, ralo, ralo, ralo. No centro de tudo, comandando o baile, a cara redonda de nordestino que guarda a lua na boca, o peito aberto pra não perder o touro de vista, palavra na ponta da língua para quem se disponha a ouvir o tanto que sabe, que faz. Marcelino come cru e arrota majestades. Dorme pouco, ri muito, se deleita a valer com seus convidados, bebe o que pode, conta, ensina, espalha, comunica. Assim ele vai aglutinando a turma do Oiapoque-Chuí, aliando as erráticas tribos de contadores de histórias aos poetas praticamente concretos, abrindo caminhos, assombrando a gente. Com a diferença que enquanto eu patino no gerúndio ele infinita o tempo e o verbo. O Mautner que me perdoe, mas minha campanha é outra: Marcelino Freire para amálgama do Brasil!
Um lugar que Claudio Santana semeou para Clarice Muller escrever e apreender, como é da boa arte a vida colhida.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
O FILHO ETERNO DE RIBAMAR
Vou confessar uma coisa que não cai nada bem: meu namoro com a literatura brasileira estava por um fio até pouco tempo atrás. As razões desse tênue relacionamento variavam de acordo com o interlocutor imaginário com quem discutia a questão cada vez que punha os pés numa livraria, vale dizer, amiúde, mas podiam grosseiramente se resumir em uma: já bastava ter nascido, me criado e vivido o tempo todo, todinho, neste país, então que pelo menos na literatura eu pudesse transitar por outras paragens, outros cantos do mundo, longe da realidade nossa de cada dia. E dê-lhe a me avançar nos tchecos, ingleses, franceses, moçambicanos, espanhóis, húngaros, qualquer estrangeiro bom de lábia que cruzasse meu caminho. Ok, ampliar horizontes não chega a ser um problema, não há lei que me obrigue a comprar produto nacional e pelo menos nessa área o mandarim ainda não é hegemônico, mas certo desconforto havia em esnobar as letras pátrias, é forçoso reconhecer. Então veio a Festipoa Literária. Com José Castello fazendo as honras para o J. G. Noll, sabe lá o que é isso? Conversa feita de mel e argúcia, estendendo para todos o que começara lá atrás, no cafezinho ao pé do balcão, em cúmplice respeito mútuo. Dizendo coisas interessantes, coisas que faziam sentido, que não deixavam a Inteligência à revelia da sensibilidade, venda casada total, tudo ou nada, de arrepiar os pelinhos. No mundo de quem realmente sabe, a coisa realmente funciona. Por tortas que sejam as vias. Como as que resultaram no merecidamente premiado livro RIBAMAR, que José Castello escreveu em tributo ao pai. Acerto de contas, melhor dizendo, ainda que tardio. O pai está morto, enterrado há muito, mas o tempo não diminui sua importância, só aumenta a necessidade de entender o silêncio, a falta de gesto que o acolha, que redima ambos de todas as omissões que os assombram até que a palavra expurgue tudo no papel, bendito livro, que desfruto aos poucos, intercalando simpatia, ternura, compaixão, com raiva, com vontade de imitar-lhes a atitude e também eu deixar a historia pelo caminho – afinal, por que se acovardam tanto?! Prossigo, contudo. Não é de covardia que se trata, é do que somos, ou não, capazes de plantar no outro. A semente que vinga é a semente possível, não mais do que isso.
Há um respeito tocante envolvendo tudo, um amor que não sossega, que precisa ser enunciado (coisa de escritor: as palavras criam o mundo), haja o que houver. E quase nunca há, a bem da verdade. Castello utiliza a partitura de uma canção de ninar para marcar os capítulos, o acalanto que passa a vida buscando, na falta do reconhecimento que jamais obteve. Mas para que tudo isso? Que raio de necessidade é essa que nos faz reféns do explícito – palavra ou ato – para que o afeto se realize, se plenifique?
RIBAMAR remete-me a O FILHO ETERNO, do Cristóvão Tezza, outra magnífica obra, que ruma no sentido inverso ao de Castello – é o pai que tenta justificar-se perante o filho pelo reconhecimento que este lhe nega, a despeito do esbanjamento afetivo que só um doente pode ter. O normal, o sadio, o inteiro, há que ser comedido, partido, econômico. O normal é negar. Castello corre atrás do pai que não teve, Tezza atrás do filho que não quis. Pai & filho. Dualidade poderosa, sujeita às leis particulares do gênero, ao que significa, em suma, ser homem e amar. Tezza demonstra, da primeira à ultima linha, como se erige esse amor sem que sequer uma única vez, nas 222 páginas do livro, a palavra seja dita. Castello não foge do verbo, mas tenta não se alicerçar nele para prosseguir na sua busca de compreensão. É assim que se procede a um ajuste. Eu é que não queria estar na frente desse espelho.
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