Há muitas coisas para suscitar saudade, mais ainda em quem
passou por virada de século e milênio, como eu, que tem que explicar que k-7 e
cacete não eram a mesma coisa e que gravador de rolo não significa registro de muvuca
ou coisa que o valha, entre tanto que se foi, para o bem e para o mal. Entretanto,
do que mais sinto falta, é do ambiente de convivência que se usufruía seja no
lar, seja no trabalho. Era assim: toda família ou ambiente profissional tinha
pelo menos um integrante do time ou do partido contrário a todos os demais.
Motivo de constante provocação e chacota, óbvio, e que às vezes resultavam numas
altercações mais pesadas, que acabavam se resolvendo com um chope um ou um
chimarrão. Dependendo do resultado do jogo ou da eleição, a flauta era
garantida para ambos os lados, mas espumar de ódio porque seu time ou partido
perdeu, isso eu nunca vi. Até agora. A velha flauta do futebol ou da política
está perdendo a vez para a raiva, adversários viraram inimigos e inimigos devem
ser exterminados. Simples assim. Grotesco assim. E não adianta apelar pra
consciência das elites ou coisa que o valha, a consciência que precisa ser
despertada é a que está dentro de casa, em cada família que antes abrigava os
diferentes com afeto e que agora torna-se célula de outro ódio. Pra que? Por
quem? Com que propósito? Não pretendo pintar de rosa um tempo que já não
existe, nem ocultar os conflitos que pipocavam em todos os lugares e o preço
que pagamos por isso, mas essa convivência, a possibilidade de trocar ideias
sem pular no pescoço do outro ou sem desqualifica-lo da cabeça aos pés, isso
tem que ser possível. Porque algum dia sairemos dessa crise e precisaremos
conversar a respeito, traçar as metas e os meios de obter o que uma sociedade
justa e organizada precisa, e isso só se consegue no papo, não tem outro jeito.
Uma coisa é certa: começa em casa, na vizinhança, no prédio, no trabalho. Antes
de xingar, converse, antes de rosnar, vale a pena rir. Tente. (E quem me odiar
por ter escrito isso, sugiro: música, muita música).
Um lugar que Claudio Santana semeou para Clarice Muller escrever e apreender, como é da boa arte a vida colhida.